Este disco regista o som de acções poéticas levadas a cabo por Américo Rodrigues a partir de elementos da tradição oral portuguesa (romances, lengalengas, orações, adivinhas, ditos, alcunhas e vocabulário de uma gíria). Todos os temas tiveram por base uma intervenção concreta em cujo processo se usaram tecnologias rudimentares (low tech) de gravação, comunicação e amplificação da fala e da voz (telefone, minigravador de cassete, megafone, walkie talkies, intercomunicadores, gps’s, transístores, etc.). O som obtido nas acções foi depois alvo de montagem.
1. Santa Bárbara e o medo
Regresso ao “túnel do medo” da minha infância para gritar orações à Santa Bárbara. Num coreto de um recinto de festas dedicadas ao Senhor dos Aflitos acompanho as orações com passos, pressas e vozes ancestrais. Numa Catedral recito-as baixinho.
Acção realizada nos dias 29 de Julho e 14 de Agosto no túnel ferroviário do Barracão, no recinto do Barroquinho, no parque de estacionamento do TMG e na Sé Catedral da Guarda.
2. A máquina das adivinhas
Telefono a dezenas de pessoas a perguntar soluções para adivinhas populares. Depois a minha voz transforma-se numa máquina de perguntar. Muitas pessoas acertam nas respostas. Outras riem.
Acção realizada no dia 14 de Agosto de 2009.
3. Romance no mercado
No mercado municipal da fruta e do peixe, leio um rimance antigo (O Conde da Alemanha) aos vendedores. Ouço histórias e, até, choros. Recomeço a contar o rimance. Devolvo o rimance ao povo. As vozes sobrepõem-se.
Acção realizada no dia 29 de Julho de 2009 no Mercado Municipal da Guarda
4. Alcunhas ao vento
Grito alcunhas de cima de uma penedia. O vento leva nomes estranhos e palavrões. Sou ouvido a quilómetros de distância. A voz ecoa no vale do Mondego.
Acção realizada no dia 29 de Julho de 2009 no Miradouro do Moncho Real (Caldeirão).
5. À cata da gíria
Viajo até uma localidade da raia onde se recorda uma gíria de contrabandistas. Durante a viagem ouvimos músicas do mundo. Não respeito as indicações de percurso. Telefono a um filósofo e filólogo para me explicar de onde vem aquele linguajar. Regresso.
Acção realizada no dia 11 de Agosto de 2009 entre a Guarda e Quadrazais.
6. Orações & confusões
Registo orações populares em diversos espaços (rua, casa, elevador, carro) e a horas diferentes usando um pequeno gravador e um megafone. As orações acompanham a vida diária. A confusão quotidiana.
Acção realizada de 29 de Julho a 14 de Agosto na Guarda.
7. A boca
A uma refeição leio uma receita gastronómica tradicional como se, ao mesmo tempo, comesse as palavras, saboreasse a sintaxe e limpasse a boca à semântica. A seguir junto-lhe música feita com colheres e garfos. A boca como caixa de ressonância.
Acção realizada no dia 21 de Agosto, no restaurante Condesso, em Vila Franca das Naves
8. Mãos no ar
Bato com as mãos e com um pequeno pau numa chapa metálica (rails de estrada). Com um megafone produzo feedbacks. Improvisação livre numa curva de uma estrada.
Acção realizada no dia 29 de Julho de 2009, no Caldeirão.
9. Radioactividade
Durante a noite, numa emissão radiofónica, são difundidos anúncios, aparentemente vulgares, com conselhos absurdos referenciados como sendo “sabedoria popular”. Para além desses “ditos” ouve-se também um grito lancinante e um conto numa língua inexistente.
Acção realizada no dia 28 de Agosto. Os anúncios foram emitidos pelo Rádio Altitude entre as vinte e três e as zero horas. Na gravação usou-se um auto-rádio e alguns transístores.
10. Corrida de lengalengas
Envio uma carta sonora (via telemóvel) ao César Prata com instruções acerca da montagem do tema. Como se fosse uma corrida de cavalos ou de galgos. As lengalengas são ditas numa velocidade vertiginosa. As sílabas atrapalham-se, as palavras suam, as frases atropelam-se.
Acção realizada no dia 9 de Outubro de 2009 .
11. Provérbios ao domicílio
De casa em casa divulgo provérbios. Falo através de intercomunicadores ligados a porteiros-vídeo. A certa altura invento novos provérbios, altero-lhes o sentido inicial, subverto juízos antigos.
Acção realizada nos dias 29 de Julho e 14 de Agosto, na Guarda e em Trancoso, em diversas casas.
12. O mar portátil
Dentro de água canto uma antiga canção de embalar. Respirar dentro de água. Como se fosse dentro da mãe. Quase morrer de tanto cantar.
Acção realizada no dia 12 de Outubro de 2009 numa moradia na Guarda
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(ficha técnica)
Autoria: Américo Rodrigues
Gravação, misturas e masterização: César Prata
Design: Jorge dos Reis
Fotografias: Armando Neves, José Teixeira e César Prata
Produção: Américo Rodrigues com apoio de César Prata
Edição: Bosq-íman:os records
Apoio: Luzlinar e Instituto de Estudos da Literatura Tradicional (Universidade Nova de Lisboa)
Guarda (Portugal), Dezembro de 2009
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